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Vedetismo, hierarquismo e ''promiscuidade(!)'' na PF Postado em 17/09/2012 por SINPEFRN às 00:00

“Em qualquer país decentemente organizado, um delegado desse estaria, no mínimo, suspenso”. A ríspida crítica, feita pelo ministro Joaquim Barbosa, durante sessão do Supremo Tribunal Federal (STF), à conduta do delegado da PF que presidiu o inquérito do “mensalão”, chamou atenção para vaidades e disputas dos bastidores das investigações policiais de maior repercussão midiática.

Embora o trabalho em equipe seja inerente à atividade policial, não raro, vaidade e egocentrismo prevalecem, em detrimento da imagem da instituição como um todo. O reconhecimento de atribuições, cuja complexidade e responsabilidade, de fato, já são compartilhadas entre todos os cargos, é a principal reivindicação dos policiais federais em greve, há mais de 40 dias. A mobilização é a mais marcante e acirrada, na disputa interna pela valorização profissional de escrivães, papiloscopistas e agentes (EPA´s) da PF.

O motivo da irritação de Joaquim Barbosa, relator da ação penal do mensalão, que causou mal-estar entre ministros do STF, foi a recente manifestação do delegado Luís Flávio Zampronha sobre a denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF) contra alguns dos investigados. Ele afirmou que o esquema do mensalão era muito maior do que o denunciado.

Em meados de agosto, às vésperas do início do julgamento, mais de um ano após enviar o inquérito policial ao Supremo, Zampronha deu entrevistas aos jornais “Folha de S. Paulo”, “Estado de S. Paulo” e revista “Época”, na sede da Associação dos Delegados da PF (ADPF), em Brasília. Aos jornais, afirmou que o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o ex-deputado José Genoíno, todos do PT, foram os mentores da “lavanderia” do mensalão, razão pela qual deveriam ter sido denunciados pelo crime de lavagem de dinheiro, o que não ocorreu.

O delegado classificou como “soberba” e “limitada” a concepção de lavagem de dinheiro do MPF, criticando a “bobeada” do autor da denúncia, já que as provas do crime de lavagem, na sua ótica, teriam sido produzidas durante a investigação. O ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza, elegante, não quis polemizar e considerou "irrelevante" comentar as opiniões do delegado. Para ele, o Ministério Público fez as imputações com base no material probatório disponível.

Na revista “Época”, Zampronha foi apresentado como “detetive” e “comandante” das ações da PF, com direito à foto de página inteira. Sua performance midiática fez lembrar o delegado e atual deputado federal Protógenes Queiroz, que ganhou fama com a “Operação Satiagraha”, em 2008. Acabou sendo processado por revelar dados sigilosos da investigação.

Quem não conhece como funcionam as operações policiais, nem o trabalho longo, árduo e complexo de interceptações telefônicas, análise de dados, produção de relatórios de inteligência, perícias e laudos técnicos, oitiva de testemunhas, dentre várias outras diligências, feitas também por dezenas policiais e servidores administrativos, de outros cargos além dos delegados, se impressiona com a saga – heroica e solitária - desses “detetives” que, como nos filmes, desbaratam poderosas organizações criminosas.

A postura egocêntrica e apropriação do trabalho em equipe, até para o público interno já viraram praxe na PF, com raras exceções. No chamado “briefing” das operações policiais, feito pela madrugada, antes da deflagração de buscas e prisões, quando são apresentados os objetivos da investigação e a missão e de cada equipe, em regra, os créditos são dados apenas aos coordenadores, que também ficam encarregados do contato com a mídia.  Os policiais convocados geralmente nem tomam conhecimentos dos nomes e rostos de seus colegas que, de fato, fizeram o trabalho principal.

Os louros obtidos com os casos de maior repercussão contam pontos informais para os carreiristas, na disputa interna pelos cargos de chefia na instituição. Externamente, a notoriedade rende indicações políticas a cargos comissionados fora do órgão, como em secretarias estaduais de segurança pública.

Além do marketing pessoal, as entrevistas que provocaram celeuma entre os ministros do STF também estão associadas à disputa corporativista entre delegados e membros do Ministério Público, sobre a polêmica em torno do monopólio da investigação criminal pelos delegados. Durante a instrução do inquérito do “mensalão” essa rivalidade já tinha vindo à tona.
Não por acaso, as críticas ao MPF foram feitas (e possivelmente planejadas) na sede da ADPF. Aliás, a reação da entidade diante da notícia que Corregedoria da PF iria apurar a conduta do delegado foi, no mínimo, inusitada. A entrevista não autorizada pela instituição foi questionada pela assessoria de comunicação do órgão, chefiada por outro delegado e pode ser configurada transgressão disciplinar.

De acordo com uma instrução normativa, de 2008, os servidores da PF só podem dar entrevistas com o aval da assessoria de Comunicação Social, nos casos em que o assunto se refira ao trabalho desenvolvido pelo órgão. Na prática, a norma é ignorada no cotidiano. Várias unidades sequer possuem estrutura de assessoria de comunicação ou jornalistas.

Diariamente, delegados (nem sempre os chefes) dão entrevistas e, muitos deles, se deslumbram com os holofotes e abusam da autopromoção, ignorando princípios e regras relacionadas à impessoalidade das ações de comunicação. Neste caso do “mensalão”, possivelmente, a repercussão foi decorrente da e dos vínculos de alguns dos réus citados com o PT e o governo.

Em nota à imprensa, a ADPF repudiou a abertura do procedimento disciplinar, se dizendo “estarrecida” e “indignada” com a suposta tentativa de “censura”. Ressalte-se que o delegado – como qualquer cidadão – tem o direito e a liberdade de falar o que bem entender ninguém tem dúvidas, ainda que seja discutível a conveniência, oportunidade e ética profissional, de emitir opiniões pessoais, defender seu relatório ou criticar a autoridade titular da ação penal, justamente às vésperas do julgamento. Por muito menos, servidores de outros cargos já foram punidos.

Causa náuseas ver a tentativa dessa entidade, cuja visão de hierarquia e disciplina é arcaica e autoritária, se apresentar como defensora da liberdade de expressão e opinião. A desfaçatez ou crise de identidade ficam ainda mais evidentes, quando confrontadas com a atitude de alguns de filiados e ex-diretores da ADPF.

Em cargos de direção, coordenação e chefia na PF, promovem ações de verdadeiro “assédio disciplinar” contra servidores, principalmente representantes sindicais. Sem constrangimento, invoca e defendem o regimento disciplinar da ditadura militar e usam a estrutura da instituição em prol de seus caprichos pessoais, na instauração de processos disciplinares e inquéritos policiais abusivos e temerários.

Não se tem notícia que a combativa entidade se manifestou sobre perseguições e punições disciplinares, patrocinadas por aqueles que se acham acima de críticas, ainda que de interesse público.

O “Código de Ética (?)” da associação dos delegados (cuja íntegra está disponível na internet) é revelador da concepção da mentalidade arcaica de parcela dos dirigentes da PF. Dentre as condutas que devem ser evitadas, consideradas “antiéticas”, chama atenção a prevista no art. 7º do tal código: “VI - promiscuir-se (sic!) com subordinado hierárquico, dentro ou fora de suas funções”.

Como se presume que o preceito não tem conotação sexual, se deduz que a intenção é evitar que se “misturem” com os demais. O preconceito e a discriminação são inconcebíveis para uma categoria que pretende o status de carreira jurídica e soam como incitação ao “apartheid” entre servidores mesma carreira policial.

O enunciado nem seria digno de comentários, se suas implicações fossem restritas à entidade e seus associados. O problema passa a ser de interesse comum quando se considera que essa constrangedora orientação pode nortear ou influenciar a conduta de chefes ou – o que é mais grave – de alguns “coronéis sem tropa”, que se julgam superiores hierárquicos dos demais servidores da PF.

Os mentores do rigoroso “Regulamento Disciplinar do Exército” (R-4) talvez ficassem envergonhados com as opções éticas da categoria dos dirigentes da PF. O art. 3o do R-4 dispõe que “a camaradagem é indispensável à formação e ao convívio da família militar, contribuindo para as melhores relações sociais entre os militares”, incumbindo aos militares “incentivar e manter a harmonia e a amizade entre seus pares e subordinados”.

Autoexplicativo, com boa vontade o grotesco preceito poderia ser encarado apenas como ato falho do redator ou motivo de piada, caso não fosse levado a sério. O caso é verídico e ocorreu às vésperas de uma operação policial, que envolveu cerca de 200 policiais federais, acomodados num quartel do Exército, em São Paulo.

O delegado, que hoje ocupa cargo de chefia, em Brasília, não escondeu sua indignação, por ficar no mesmo alojamento dos demais policiais federais e dividir o mesmo refeitório. No relatório de missão policial, registrou suas reclamações quanto ao “absurdo” da igualdade do tratamento dispensado a “praças” e “oficiais” da PF. Sua visão de hierarquia coincide com a recente manifestação do principal representante dos delegados.

Com peculiar arrogância, ainda se atrevem a dizer que os “fundamentalistas sindicais” são “desagregadores” e “manipuladores”. O slogan da greve dos EPA´s resume o sentimento da maioria de seus servidores e a crise de gestão que se instalou no órgão: “SOS Polícia Federal”. Que Deus salve a PF, antes que alguns de seus dirigentes a implodam.

*Josias Fernandes Alves é Agente de Polícia Federal há 16 anos; diretor de comunicação da FENAPEF, formado em Jornalismo e Direito. josiasfernandes@hotmail.com

Fonte: Agência Fenapef

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