Passamos por um período de aproximadamente 2 (dois) meses diante de uma greve que, possivelmente, causou um estrago cujo reparo não será tão rápido de ocorrer na Polícia Federal.
Os EPAs (escrivães, papiloscopistas e agentes) atribuindo aos delegados os problemas atuais da Instituição, já que os analistas não são respeitados e, na verdade, seriam os verdadeiros responsáveis pelas investigações, alegando ainda que os EPAs seriam quem carregaria de fato “o piano” nas costas.
Os delegados buscando manter o comando do órgão, haja vista serem os responsáveis legais pela condução das investigações, chegando ao ponto de alguns desmerecerem o trabalho dos EPAs.
Após um breve raciocínio, o que vejo é uma luta por poder que chega à beira da irracionalidade, pelo que concordo com artigo da “Folha de S. Paulo” no qual foi mencionado que a greve atual não se trata apenas de uma luta por melhores salários, mas sim algo corporativista, no pior sentido do termo.
Vejo argumentos válidos e insipientes de todas as partes, sendo que, inicialmente, tenho que concordar que o salário inicial, e mesmo final, dos EPAs chega a ser vergonhoso ao se comparar com os demais servidores do Executivo Federal que desempenham funções de tamanha relevância. E não penso isso desacompanhado, pois ficou notório (apesar de alguns negarem, com intuitos escusos ou não) que o Diretor-Geral da Polícia Federal tinha como proposta de reajuste um valor fixo, o que, proporcionalmente, beneficiaria muito mais os EPAs ingressantes e muito menos os delegados e peritos em final de carreira (na qual se inclui o próprio DG). Fato é que a proposta foi rejeitada inicialmente dentro da “nossa casa”, por motivos, no mínimo, egoísticos.
Em regra, os policiais federais ingressam no órgão na Região Norte ou em outras Unidades de fronteira, locais onde a moradia é cara, assim como a alimentação e os custos das viagens para se estar junto à família, sendo que, recebendo o salário inicial que recebem, dependendo da localidade, vivem no limite, o que se agrava muito no caso daqueles que têm cônjuge/companheiro e filho(s). O mesmo acontece com os policiais que são lotados em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, entre outras cidades cujo custo de vida é alto.
Não posso deixar de mencionar que, por vezes, policiais que participam de operações sensíveis, notadamente as que levam à prisão de pessoas com grande influência política e/ou econômica, posteriormente se veem frente a frente com os mesmos em audiências, servido de testemunhas de fatos criminosos praticados, tendo que, depois, pensar na segurança que precisam dar a suas famílias (residir em um lugar seguro, permitir que os filhos estudem em colégios particulares, frequentar lugares, não de luxo, mas compatíveis com sua função e, sem dúvida, seguros etc), o que fica difícil com um salário cada vez mais defasado.
E, principalmente no Norte (falo por ser onde sou lotado), vemos que esses policiais são, em regra, empenhados no trabalho, fazem mais que o necessário, além de, juntamente com delegados e peritos (quando há no local), serem os responsáveis pelo êxito dos trabalhos. Além do mais, estando todos distantes de suas famílias, todos do grupo, independente de cargo, passam a ser “a família” uns dos outros, tornando-se, em muitos casos, verdadeiros amigos, motivo pelo qual todos conhecemos a situação de fato que cada um passa, o que me permite ser mais assertivo no que foi escrito acima.
A questão salarial é essa, mas há outra que, na minha opinião, dá um contorno ainda pior à situação atual enfrentada pela Polícia Federal, e não falo de delegados que se consideram autossuficientes ou de EPAs que se escondem atrás da figura dos analistas (aproximadamente 10% (dez por cento) do efetivo) para se dizerem os responsáveis por “carregar o piano”, mas sim ao subaproveitamento de alguns policiais, a falta de liderança (com exemplos) de outros e a irracionalidade nos argumentos de vários.
A verdade é que, na Instituição, existem policiais exemplares:
Escrivães que fazem seu trabalho, sendo os responsáveis pelas formalidades dos autos e pela formalização de apreensões, além de auxiliar os agentes e até serem desviados para tal função.
Papiloscopistas que elaboram verdadeiros laudos papiloscópicos (na minha modesta opinião, são peritos da área papiloscópica) e realizam outras atribuições com perfeição.
Agentes que, não só como analistas, realizam diligências de campo fundamentais para o êxito das investigações (fora atribuições administrativas essenciais para o funcionamento das Unidades).
Delegados que conduzem investigações de forma responsável, precisa, objetiva, visando a qualidade da prova, e integrada com os demais policiais que trabalham consigo, coordenando e liderando suas equipes com total respeito aos demais (não “um vá e faça”, mas sim um “vamos juntos”).
Peritos que elaboram Laudos de extrema complexidade com maestria, “materializando” provas imprescindíveis, com qualidade impressionante.
Ocorre que, infelizmente, também há os servidores que agem como “funcionários públicos”, no sentido pejorativo atribuído à expressão, haja vista que se recusam a cumprir suas obrigações legais. Escrivães desorganizados e relapsos, papiloscopistas incapazes de identificar digitais óbvias, ou que não cuidam da cadeia de custódia, levando à perda da prova, agentes que apresentam informações imprecisas, com erros de português, incompletas, que chegam à beira do absurdo ao cumprir apenas uma intimação em um dia, ou que se recusam a trabalhar em finais de semana, delegados que se entendem mais juristas que policiais, muito embora confeccionem relatórios “porcos”, com uma ou duas laudas sem sequer indicar os elementos de prova que o levaram à conclusão, assim como representações incompletas e sem técnica, além de apresentar despachos confusos, que fogem de investigações mais complexas, apresentam produtividade irrisória, não conhecem as operações que supostamente conduzem, e peritos que apresentam laudos falhos, inconclusivos, ou que não os apresentam em prazo razoável.
Alguns utilizam o inquérito policial como “bode expiatório” para a ineficiência da polícia, mas, na verdade, não é o instrumento que é ineficiente, mas sim alguns policiais que nele trabalham, ou melhor, atuam: delegados que apresentam despachos protelatórios, sem determinar diligências efetivas, objetivas e precisas; escrivães que “se perdem” e não cumprem as determinações em prazo hábil; agentes que não realizam as diligências determinadas ou as realizam de forma imprecisa ou extemporânea (vale a pena ressaltar que, ao se cumprir apenas uma intimação em um dia, está-se praticamente diante de um “crime”, sendo que afirmo isso como ex-oficial de justiça, que cheguei a cumprir 40 (quarenta) intimações em um sábado... (sim, para quem não é “vagabundo”, sábado pode sim ser dia de trabalho). O inquérito deveria ser mais célere, devendo ser melhorado e adequado às modernidades, mas ainda é o melhor instrumento que há para formalizar as investigações, desde que conduzido por profissionais comprometidos e competentes.
Vejo ainda que há policiais corajosos, que não se escondem atrás de uma desculpa qualquer para não investigar, e agem contra quem quer que seja, comprometendo-se com a Justiça e com a sociedade. Há, porém, os covardes, que têm medo de investigar, preferindo trabalhar (se é que se pode chamar assim) de forma burocrática, opondo obstáculos a investigações que podem atingir elementos considerados perigosos, chegando ao cúmulo de dizer “estou com medo”. Na minha opinião, não deveriam ter lugar na Polícia Federal, sendo passíveis de demissão, por prevaricação.
Feitas estas breves considerações, passo a expor minha opinião referente ao que considero necessário para, como diz um amigo, “juntar os cacos”.
Primeiramente, creio que deveríamos ter uma investigação social mais precisa e elaborada para o ingresso de servidores na Polícia Federal, apurando-se a fundo os futuros servidores, identificando-se previamente e prevenindo-se futuros problemas. Ademais, a investigação social deveria perdurar por todo o estágio probatório (e quiçá por tempo maior), constituindo elemento para se demitir um servidor que apresente desvio de conduta, ainda que prévio ao seu ingresso na PF. Quaisquer indícios de inadequação do servidor ao ingresso no órgão deveriam ser apurados exaustivamente, visando evitar falhas irreversíveis por tal “omissão”.
Entendo que nossa instituição deveria ser modernizada, integrando-se mais os demais policiais às investigações em geral, constituindo-se em todas as Unidades equipes especializadas em determinadas matérias, devidamente preparadas por cursos e treinamentos, remunerando-os ainda com salários mais dignos e condizentes com a complexidade de suas atribuições.
É certo que é necessária também uma gratificação para atividade cartorária para os escrivães (são responsáveis por depósitos; normalmente os últimos a deixar um flagrante, após todas as comunicações e constatações de formalidades etc), que os papiloscopistas deveriam ter algumas atribuições a mais (laudos grafotécnicos, por que não???...olha eu comprando briga) e os agentes deveriam ter reconhecida sua importância nas investigações em geral, além de algumas responsabilidades a mais (chefia de direito de Núcleos de Operação etc).
Com relação aos analistas, os quais em regra trabalham por período muito superior às 40 (quarenta) horas semanais, sendo responsáveis por interpretações por vezes muito complexas, auxiliando os delegados nas decisões do rumo das investigações, os mesmos deveriam ser reconhecidos e recompensados através de gratificação remuneratória, pelo que eu sugeriria a criação da função de analista.
Quanto a chefias, notadamente as remuneradas, entendo que algumas de fato têm que ser ocupadas por delegados, mas outras deveriam ter à frente outros servidores, mesmo os administrativos. Não vou adentrar ao mérito por ora, mas penso que, onde há necessidade de mais conhecimentos técnicos que jurídicos, é desnecessário ter um bacharel em direito como chefe.
Quanto aos delegados, entendo que os mesmos deveriam ser sempre exemplos para os demais, demonstrando conhecimentos (jurídicos e técnicos investigativos) que legitimem a valorização do cargo. Acho inconcebível um delegado não conhecer completamente o setor no qual atue, sendo que, como não se pode obrigar alguém a saber tudo, pelo menos tem que demonstrar interesse e vontade de sempre aprimorar seus conhecimentos.
Também acho impensável um delegado que não respeita os demais policiais que trabalham consigo, tratando-os como inferiores, não percebendo o quão são todos indispensáveis para o êxito das investigações. Ademais, os delegados têm sim que ter conhecimentos jurídicos, pois isso é indispensável para que uma investigação tramite dentro da mais estrita legalidade, evitando-se com isso uma eventual nulidade de todo o trabalho desenvolvido pela instituição, mas, da mesma forma, é necessário saber que, mais que juristas, somos todos policiais, sendo óbvio que nosso trabalho é, em geral, 95% policial e 5% jurídico.
Em meu ponto de vista, deveríamos modernizar a estrutura da Polícia Federal com uma bem estudada reestruturação, a qual, porém, deveria vir acompanhada de aumento das responsabilidades funcionais, das cobranças e do constante aperfeiçoamento.
E não há que de cogitar deixar de lado hierarquia, pois isso é fundamental a todo serviço público e privado, quanto mais ao policial. O contrário de hierarquia é anarquia. A disciplina também é necessária a qualquer instituição séria, bem como a qualquer relação humana. Só que a hierarquia e a disciplina devem apresentar o respeito como contrapartida.
Ainda é inadmissível um policial com uma remuneração digna que “pare no tempo”, deixe de se atualizar, faça seu serviço sem esmero (despachos e relatórios mal feitos, sem identificação de elementos de prova com qualidade; informações policiais, relatórios circunstanciados de diligência e certidões imprecisos; laudos excessivamente tardios ou inconclusivos; recusas em cumprir obrigações legítimas), devendo as Corregedorias adotar postura rígida em relação a todos.
Jamais é aceitável que haja perseguições, mas deve ser cobrada uma postura profissional comprometida com o serviço público. Isso vale para todos os cargos. Para mim, deveriam ser defenestrados da Polícia Federal aqueles que têm desvio de conduta, assim como os que são “vagabundos”, covardes e preguiçosos.
Tenho ainda que apontar que também é necessário que a instituição tenha uma visão totalmente meritocrática de seus servidores, deixando de lado a bobagem de que matrícula define algo. Matrícula só deve servir para desempate, pois não mede mérito, não pode ser critério para designação para missões, para designação de chefias ou para qualquer outra atitude séria. Já vi coisas absurdas embasadas em número de matrícula, as quais não convêm serem citadas neste texto. O mérito deve sempre prevalecer, premiando-se a competência.
Sei que com algumas palavras não é fácil demonstrar o que realmente penso a respeito da atual situação da Polícia Federal, apenas dá para deixar claro que estamos aos cacos, bem como que todos perdemos com a greve, mas, ao mesmo tempo, temos a oportunidade de verificar nossos erros e corrigi-los, buscando encontrar soluções plausíveis, esquecendo os pensamentos “xiitas” de todas as partes e aprendendo que somos todos irmãos e que, ou lutamos juntos, ou todos só temos a perder, com uma Polícia Federal enfraquecida.
Temos que perceber que somos todos soldados na guerra contra o crime, sendo que temos atribuições diferentes e, mesmo que nossas remunerações não sejam idênticas, é absurdo que sejam tão discrepantes, notadamente a dos que ingressam no órgão como EPA de 3ª Classe.
Perfeita a frase “a Polícia Federal somos nós”, sendo que somos todos nós, de todos os cargos, que “carregamos o piano” juntos, devendo dividir as responsabilidades e os méritos.
Nem ia comentar, mas li que alguns acham absurdo toda a equipe trabalhar e o delegado dar a entrevista. Concordo, pois acho absurdo que qualquer policial que não seja o dirigente da Unidade dê entrevista. Já tive que fazê-lo, mas me senti totalmente desconfortável, sendo que acho que um policial federal deve ser o mais discreto possível, pois isso preserva a equipe. Quanto menos pessoas souberem o que fazemos, quem somos pessoalmente, maior a probabilidade de êxito em nossos trabalhos. Temos assessoria de imprensa, a qual tem por atribuição divulgar nossos trabalhos (da forma correta, impessoal), sendo desnecessário informar qualquer nome de policial que atuou no caso.
Como bem diz um amigo meu, “a Polícia Federal deve ser um bando de anônimos”. Concordo plenamente com ele, pois sozinho ninguém faz nada e, ao apresentarmos nossos rostos à imprensa, acabamos por comprometer a discrição necessária para eventuais futuros trabalhos.
Bom, encerrando, sou policial federal, meu cargo é delegado da Polícia Federal (cargo com o qual sonhei desde meu 2º ano de faculdade) e tive a felicidade de conhecer e trabalhar com policiais irrepreensíveis e de extrema competência, com os quais aprendi muito e, creio, pude colaborar. Conheço agentes, delegados, escrivães, papiloscopistas e peritos exímios em suas funções. Trabalhei em Rondônia e hoje estou no Amapá (sempre no Norte).
Assumi a função de Corregedor, que ocupo hoje por amizade, respeito e admiração por quem me convidou e por quem veio junto. Senti confiança e preparo de quem conheci na Coger, tendo recebido como orientação a ordem “tenha bom senso”, ou seja, apure fatos da forma correta, não sendo tolerável perseguição ou omissão. Senti do efetivo de EPAs que estão desanimados pela incompreensão do Governo quanto a sua situação, mas nem por isso, ao menos onde estou, senti desrespeito, apenas pessoas lutando pelo que acreditam.
Não vou falar nada de mim como pessoa ou profissional (quem tiver curiosidade que pergunte aos que trabalharam e trabalham comigo, independente de cargo), apenas faço questão de dizer que entendo que os EPAs necessitam de um maior reconhecimento (não só remuneratório, mas este é urgente) e apoio sua luta, desde que dentro da legalidade, urbanidade e comedimento. Quero ver uma Polícia Federal forte, com servidores motivados, sentindo-se valorizados, pois é isso que a grande maioria merece.
Como delegado, também defendo nossa valorização, pelo que devemos buscar maiores garantias funcionais, mas, na minha modesta opinião, devemos buscar mais o respeito e as conquistas como policiais (o que somos, ou deveríamos ser no âmago) do que como juristas, pois, apesar de termos como atribuição principal conduzir as investigações através de trâmites legais, devendo ter o conhecimento jurídico para apresentarmos um trabalho com qualidade, mantendo a polícia como responsável legal e constitucional pelas investigações criminais, devemos ter sempre em mente que Polícia é grupo, é União, é um pelo outro, é mais vontade de apurar os fatos que conhecimento em si.
Espero que tenha sido clara minha opinião, pedindo desculpas aos que se sentirem ofendidos (notadamente “xiitas” de plantão).
“A Polícia Federal somos nós” e “unidos somos mais fortes”.
Do policial federal Flávio Reis.
Flávio Vieitez Reis é delegado de Polícia Federal, corregedor regional da Superintendência Regional da PF no Amapá.
Fonte: Agência Fenapef