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O policial federal e o raio-X : tese e antítese Postado em 20/12/2012 por SINPEFRN às 00:00

O avião está consagrado como o meio mais eficiente de transporte, o que não é novidade para qualquer cidadão, desde o mais eventual, ao mais freqüente passageiro que necessita dessa máquina para se locomover dentro do território nacional ou em viagens ao exterior, de forma quase que freqüente, acabam transformando a sua escolha na mais irregular e improvável forma para cumprir seu planejamento, ou o compromisso de uma viagem.

Existem, logicamente, condições técnicas e regras indispensáveis para que um avião possa receber seus passageiros e tripulantes, movimente-se na pista, proceda a decolagem, voe, proceda o pouso e o desembarque correto e seguro de seus passageiros e tripulantes, dentro de um planejamento prévio e que deve ser cumprido, para orientação e a organização das próprias companhias aéreas, tripulantes, passageiros, administração de aeroportos, órgãos e autoridades de controle e fiscalização do setor aéreo, e da infraestrutura aeroportuária em geral; contudo, existe também a influência das leis.


Os fatores de ordem técnica podem estar classificados dentro de condições de engenharia aeronáutica, o que não nos cabe discutir mas aceitar, a não ser que sejamos um especialista na construção de aeronaves e estejamos no meio de um projeto em andamento. Outro fator, que podemos também classificar como técnico, é a condição meteorológica, pois para um avião, em comparação com um automóvel, por exemplo, sofre sobremaneira a influência do meio em que se desloca, o ar, ou seja, aquele é sustentado pela massa de ar que passa sob suas asas e dentro de uma condição prévia e calculada para a possibilidade do voo Pode-se dizer que as condições técnicas perseguem a segurança e a concretização do voo antes de tudo. Resumindo, trata-se de um meio de transporte cuja complexidade envolve diversos fatores técnicos e que necessitam ser regulados de forma específica, cujo objetivo principal a ser alcançado é voar com segurança.

Como podemos ver, tudo tem que ser muito bem pensado e refletido no setor aéreo, bem como sua legislação, que não pode ser ineficiente e comprometer às características e a qualidade do meio de transporte. As leis, nesse caso, são necessárias para o não comprometimento da segurança e da eficiência do setor aéreo, ou para a concretização da segurança prevista, mas não para evitar a insegurança, isso é um erro de lógica. Nesse contrassenso reside uma inefetividade da ciência e da lógica. Aliás, o Direito é campo fértil de situações onde isso é possível, o que vai contra a própria coerência dos fatos reais observados, pois perdem valor e espaço para os absurdos imaginativos de leis e regras criadas por juristas e legalistas de plantão, que a contar de sua prática, não foram feitas ou baseadas na busca da excelência em manutenção de segurança, por exemplo, mas em fatores outros, que podem muito bem estarem atrelados à ignorância, à falta de conhecimento e à esdrúxula e desvirtuada ideia de que a lei e sua observância é que impede a insegurança. A segurança existe por fatores técnicos e critérios verdadeiros e definidos, mas não porque a lei jurídica está lá. Explicando: podemos criar qualquer lei, por mais absurda que seja, e obrigarmos que todos a cumpram, apesar de que na realidade não poderá ser cumprida. Estamos cansados de ver isso, não?!

Assim, imaginemos determinada situação hipotética, onde os pilotos escalados para realizar determinado voo em uma determinada companhia aérea, onde, a princípio, devem estar devidamente habilitados para conduzir a aeronave com segurança, do início ao fim de uma viagem. Após alguns minutos em pleno voo um dos pilotos decide jogar a aeronave ao solo e causa a queda proposital do avião e o conseqüente desastre aéreo. É possível garantir que isso seja impossível de acontecer? Bem, é fato que os pilotos, além de todas suas habilitações, devem ter seu certificado médico válido para poder conduzir um avião; mas isso é o suficiente para garantir que ele não realizará o ato descrito acima? A probabilidade de acontecer é muito baixa, sabemos na prática, mas não podemos ter 100% de garantia que isso nunca vá ocorrer. Podemos criar até uma lei específica para isso. A garantia é a mesma se, de outra forma, perguntarmos antes do voo aos tripulantes, se os pilotos vão conduzir com atenção e profissionalismo o voo ou vão pouco se lixar se o avião vai chegar ao seu destino ou não? Adianta?!

Partindo do princípio acima, nós, policiais federais, de acordo com a Constituição Federal, somos os responsáveis e garantidores da segurança aeroportuária, bem como, temos a garantia regulada por lei, do porte irrestrito de arma de fogo, para nossa proteção e de outros.

“ Artigo 144, CF: (...) §1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

(.....) III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras“

"Artigo público: Incumbido por determinação constitucional de executar os serviços de Polícia Marítima Aérea e de Fronteiras, o Departamento de Polícia Federal encontra no setor aeroportuário brasileiro uma de suas principais áreas de atuação. “ (Marcelo Baeta Neves Miranda - JUS navigandi)

Ao embarcar armado em uma aeronave, de acordo com o regulamento hoje vigente, o policial federal, duas horas antes do embarque, deve proceder a sua identificação junto à autoridade policial aeroportuária, onde se encontra também um policial federal, que o identifica e o libera, informando a companhia aérea, após a assinatura de formulário e as verificações de praxe de segurança de seu armamento pessoal, que transportará um passageiro armado. Contudo, tal procedimento burocrático de segurança, que deveria ser uniforme e padronizado para todos os aeroportos, mas que na prática é impossível de ser cumprido por diversos fatores e características próprias de cada localidade desse país, não nos desobriga de ainda termos de passar pela fila do raio-x e sob o equipamento detector de metais antes do embarque.

Há um regulamento geral do setor aéreo que versa sobre a verificação da bagagem de mão. Logo, de acordo com as regras de segurança vigentes, ninguém pode entrar numa aeronave portando arma de fogo, objetos pontiagudos, facas, produtos químicos perigosos, etc., em suas bagagens de mão. Em princípio como a regra, mesmo que implícita é para todos, ela se aplicaria ao policial federal e aos tripulantes de aeronaves. Na prática, somos cobrados na forma do regulamento, bem como os tripulantes ficam isentos, pelo menos é o que observo na prática. Mas se são todos obrigados, porque os tripulantes da aeronave não passam?! Talvez possamos pensar no óbvio: Não há um pingo de necessidade nisso! Por que os pilotos ou tripulantes poderiam estar transportando algo proibido ou perigoso na aeronave que eles mesmo são os responsáveis?! Eles nunca fariam isso, fariam?! Sem polemizar ainda. Voltemos ao nosso caso como policiais federais.

Na maioria das situações um policial federal carrega sua arma junto ao corpo, de forma discreta e não é preciso mencionar que o mesmo é extremamente capacitado para manejá-la e usá-la. Na fila para a sala de embarque, após os trâmites de sua liberação, conforme descrito acima, separa o formulário em mãos para apresentar ao operador de raio-x, evitando assim equívocos e passa pelo equipamento detector de metais, que sempre emite o alarme sonoro. Imediatamente, senão um, mas quase sempre, vários funcionários terceirizados do setor de raio-x correm ao seu encontro e, em alto e bom som, o intimam a voltar para trás do equipamento, sem notarem que já tinha se identificado de modo sutil ao operador de raio-x, entregando-lhe sua liberação por escrito; ato simultâneo que obriga o Policial Federal a apresentar sua carteira funcional e se identificar de forma explicita, sob o olhar de todos que estão próximos, para “contornar” a situação. Lá se foi seu anonimato! É importante tocar nesse ponto, pois sob muitos aspectos, o policial federal, é um agente do Estado, com o treinamento específico para atuar em diversos tipos de atividades policiais. Muitas vezes, para sua segurança, ou efetividade da missão em que se encontra, a sua identidade como policial não deve sequer ser revelada. Mas isso não importa mais.

Continuando, no caso acima, o policial estava apenas armado e sem bagagem de mão para ser vistoriada pelo raio-X, caso contrário por exemplo, se carregasse uma mochila, seria obrigado também a passá-la pelo raio-X, por força do regulamento genérico, que obriga a todos a passar seus pertences de mão pelo raio-X, pois é ali, só para quem não sabe, o local onde se detecta e comprova os objetos restritos para embarque com o passageiro e o impedem de prosseguir com seu embarque. Pois bem, então, ou o policial federal passa sua mochila/sacola onde pode não haver nada, como também pode haver facas, munição, equipamento policial e inclusive outras armas de fogo; caso contrário, é impedido pelos funcionários terceirizados a embarcar! Assim, sob o olhar impressionado do operador de raio-x , o policial federal coloca sua mochila na esteira onde se comprovará a existência dos objetos restritos ao embarque em sua posse.

Entretanto, já que nada os funcionários do aeroporto podem fazer quanto a essa “ilegalidade”, eles apenas agradecem o policial pela paciência em se submeter à legislação. Mas, se o policial federal se recusa a fazê-lo, é impedido de embarcar e comunicado a autoridade do aeroporto que o obriga a cumprir a regra estipulada, como se perigo real e imediato fosse para a segurança do aeroporto e da aeronave, inclusive podendo vir a responder processo administrativo por já ter cumprido, na verdade, mais do que a Lei, pois veja: ele já se identificou, cumpriu a Lei e ainda o procedimento regulamentado, e como autoridade legítima de acordo com a Constituição Federal, fora impedido de prosseguir viagem por funcionários terceirizados, investidos de pseudo-autoridade, que não pode se impor em função por força de um regulamento apenas.

Mas a questão que permanece é: Por que o policial federal precisa passar sua bagagem de mão pelo raio-x e até ele mesmo pelo detector de metais, já que se encontra armado, com arma de fogo e previamente liberado e identificado perante a autoridade do aeroporto e a companhia aérea?

Podemos responder o “ óbvio”:

1- Porque ele precisa se identificar perante os funcionários terceirizados do raio-x e ”ponto”.

Obs.: Resposta padrão nível primário essa.

2- Porque diversos passageiros precisam saber que um policial federal está embarcando num voo com eles.

Obs.: Coerente com o fato.

3- Porque ele não está acima da Lei, se todos passam, ele também tem que passar!

Obs.: Justificativa social-popular

4- Para fazer “jus” às duas horas de antecipação ao embarque que ele é obrigado a chegar ao aeroporto a fim de proceder sua identificação.

Obs.: Estamos com tempo de sobra; podemos nos atrasar o tempo que for.

5- Porque não há nada que diz ao contrário, então ele é obrigado a fazê-lo.

Obs.: Faz sentido para o meu cachorro.

6- Porque se um policial federal já embarca armado, então seria regalia demais ele também não passar pelo raio-x.

Obs.: Resposta com senso de humildade.

7- Porque “implicitamente” está na lei, então ele tem que cumprir.

Obs.: Ao policial federal cabe cumprir o que se encontra explícito e também “ implícito” na lei.

8- Porque o operador do raio-X, tendo visto que observa o policial federal embarcando com objetos e materiais proibidos, caso o avião venha a cair, poderá testemunhar a culpa do mesmo.

Obs.: Bem imaginativo e digno de roteiro cinematográfico.

9 - Etc.

Na verdade, não é possível se justificar a obrigação do policial federal em passar pelos detectores de metais e seus pertences nos equipamentos de raio-X dos aeroportos, portos e demais locais de acesso público, após sua prévia identificação, mesmo ainda que velada, bem como ser impedido de carregar qualquer tipo ou quantidade de armamento, munições, ou equipamentos policiais, que estejam compatíveis com o peso e as dimensões determinadas para bagagens de mão, pois não há critério técnico e científico que justifique isso como fator de segurança.

Além disso, não deveríamos ser penalizados e obrigados a chegar antecipadamente ao embarque como está determinado atualmente, mas sim devíamos ter prioridade e facilidade na hora do embarque, sem que isso gerasse qualquer desconforto para os demais passageiros. Não vem ao caso aqui discutir se queremos regalias ou não, mas o fato verdadeiro e comprovado é que somos sinônimo de segurança de voo e nesse caso fazemos parte dela. Não o contrário. A forma como somos tratados num aeroporto atualmente nos expõe, nos evidencia de forma negativa diante de nossa função e nos pune, por estarmos simplesmente investidos como garantidores da lei, além dificultar essa mesma atividade.

Se as atitudes baseadas na existência de Leis impraticáveis, ou mesmo implícitas e inexistentes, bem como sua observância serve para impedir o fator insegurança nos aeroportos, então se faz necessário que sejamos destituídos da atribuição constitucional de Polícia Aeroportuária, da previsão legal do livre porte de arma e franco acesso aos locais sob fiscalização policial, da necessidade de capacidade física e mental para sermos Policiais Federais. Assim há coerência.


“O cumprimento de Leis absurdas ou mesmo inexistentes, em detrimento dos fatores reais e lógicos de segurança, aumenta a segurança nos aeroportos.

Acreditemos nisso e esqueçamos a lógica.

 

Luis Guilherme Diniz é Agente de Polícia Federal

 

Fonte: Agência Fenapef

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