Durante a greve, tive a oportunidade de ler o artigo do delegado federal aposentado do DPF, Dagoberto Albernaz Garcia, publicado neste site, sob o título: A PF precisa de líderes para ``arrumar a casa``.
Se fosse mais um artigo publicado por um EPA, ou por outro espectador qualquer (promotores, magistrados, deputados, médicos, donas de casa, etc.), talvez não tivesse me chamado tanto a atenção, mas, sinceramente, não esperava que um delegado federal falasse tão abertamente sobre o assunto.
O artigo, em linhas gerais, fala da carreira jurídica dos delegados, buscada por meio da PEC 549, e da carreira, verdadeiramente Única, dentro do DPF, sem os chamados “trens da alegria”.
Na prática, para efeitos de CPP, a organização da carreira policial única possibilitaria, aos chamados agentes da autoridade, uma promoção à categoria de autoridades policiais.
Pois bem, desde que entrei no DPF, em 1996, ouço falar nos dois assuntos que, durante tempos “tensos” como estes que estamos vivendo, com o final da maior greve que o DPF já viu, voltam à baila como nunca, tanto do lado dos agentes como dos delegados.
Assim como, naturalmente, surgem perguntas para tentar explicar o fato de termos cinco cargos de nível superior dentro órgão, sendo que somente dois deles, realmente, em suas atribuições, são efetivamente reconhecidos - dentro do órgão e pelo Governo Federal - como sendo cargos de nível superior.
Na minha humilde opinião, o problema está na gênese de nosso sistema de persecução processual, notadamente, pré - processual, ocasião em que há uma atuação mais isolada da polícia judiciária, a qual participa, via de regra, com a elaboração do inquérito policial, o qual, dentro de um sistema acusatório mais para o misto (NUCCI), servirá de subsídio para que o ministério público formule a denúncia crime, culminando com a propositura da Ação Penal, ocasião em que se abrirá o contraditório para a defesa.
Alguns procedimentos do sistema inquisitivo, em fases com nenhuma ou pouca participação da defesa, embora com garantias, ainda estão presentes nos sistemas denominados acusatórios mistos, sendo mais comuns nos países europeus que tiveram em seus códigos forte influência da Revolução Francesa (França e Espanha), e não o sistema acusatório, propriamente dito, como na Alemanha e Portugal. Existe também o sistema conhecido como acusatório puro, o qual possui mais forte oralidade e publicidade do que o simplesmente acusatório, como o que está presente nos países de origem anglo-saxônica, notadamente, Estados Unidos e Inglaterra.
Ocorre que, a principal diferença com relação à nossa fase inquisitiva (se é que possamos chamá-la de fase), em comparação com a que é feita em outros países (França e Espanha), é que no Brasil não há a figura do juiz de instrução, que a preside, nos chamados Juizados de Instrução, em que há a figura de um magistrado responsável por toda a fase instrutória, que antecede à fase de Julgamento, subsidiado por uma polícia judiciária que, geralmente, faz uma investigação preliminar dos fatos com forte vinculação ao ministério público.
Já no sistema acusatório, a participação do ministério público é muito mais forte, como promotor de inquérito (Portugal), ou como do promotor investigador (Alemanha e Itália), havendo uma vinculação funcional, não administrativa, das organizações policiais, as quais possuem total autonomia científica e operacional nas investigações. A figura do juiz de instrução nesses países é mais de garantidor de direitos para colheita de provas, preservando, assim, sua imparcialidade.
Assim, no Brasil, o inquérito é policial, e não dentro de um juízo de instrução, não havendo nenhuma possibilidade de contraditório nesta fase pré-processual. É procedimento (não processo), sendo presidido pela autoridade policial (delegado de polícia), o equivalente a um supervisor ou chefe, em outros países. Ademais, naqueles países, na maioria das vezes, algumas provas podem ir sendo contraditadas à medida que são inseridas no processo, no decorrer de suas fases, conforme regras especiais previstas no ordenamento jurídico do país, devido ao fato de já estarem presentes os sujeitos processuais (juiz ou promotor), logo, os sistemas são bem mais dinâmicos que o nosso.
Nota-se, ainda, que em ambos os sistemas mostrados acima, não há riscos dos membros dos órgãos policiais se confundirem com as figuras das carreiras jurídicas, pois o papel da polícia, como no Brasil, ou é judiciária (França e Espanha); judiciária, criminal e ministerial (Portugal); criminal (Alemanha); etc. Ou seja, sequer se cogita haver status de carreira jurídica para os membros dos órgãos policiais.
No Brasil, a figura do delegado de polícia, desde os primórdios de nosso Código de Processo Penal, é de alguém que representa uma autoridade pública, responsável por elaborar uma peça administrativa, que servirá de base, não exclusivamente, de uma acusação de cometimento de um delito por parte de um acusado, devidamente formulada pelo ministério público, e que será apreciada pelo poder judiciário em um processo próprio.
Entretanto, desde a época em que surgiram os primeiros delegados de polícia, e até mesmo há pouco tempo, por opção política, as autoridades policiais eram nomeadas para ocupar o cargo a título de confiança, sem que a escolha estivesse vinculada a qualquer carreira policial, experiência administrativa, ou até mesmo a qualquer grau de escolaridade. Era pura conveniência e oportunidade na escolha dos chefes de polícia, com seus delegados e subdelegados.
Pois bem, após essa breve introdução, voltemos à realidade, hoje, dentro da polícia judiciária brasileira, notadamente, o DPF. Deve-se dizer que pouca coisa mudou, exceto com relação ao chefe de polícia (um diretor geral), que, ainda, por conveniência e oportunidade, continua sendo escolhido dentre quaisquer cidadãos; porém, atualmente, pelo ministro da justiça, passando os antigos delegados a serem servidores públicos concursados, com a exigência de possuírem bacharelado em ciências jurídicas para ocupar o cargo.
Assim, ao contrário do que ocorre na maioria esmagadora dos países mais civilizados do mundo, no Brasil, não é necessário se seguir uma carreira única para se chegar a conduzir uma investigação policial e, consequentemente, podendo se chegar a dirigir o órgão policial, bastando que o candidato tenha um curso universitário em ciências jurídicas (Direito) e seja aprovado, agora, em um dos concursos mais disputados do país, inclusive, com a promessa de ser um dos mais difíceis, após as recentes exigências de provas de títulos e oral, nos moldes dos concursos para o ministério público e para a magistratura.
Diante desse quadro, o que impera dentro do DPF é que o cargo - pelo menos sob a ótica da maioria dos delegados - deve seguir o norte das carreiras jurídicas, ou seja, procurar se conseguir as prerrogativas de promotores, procuradores e magistrados e, principalmente, quase a equiparação de subsídios percebidos por estes, por meio da chamada PEC 549. Tudo sob a bandeira do bem para a “sociedade brasileira” no combate à criminalidade.
Logo, o embate ideológico dentro do órgão é inevitável, na medida em que as propostas para a sociedade de uma polícia investigativa e mais eficiente são conflitantes.
De um lado, ao que parece, temos a entidade de classe dos delegados defendendo que as melhorias para a sociedade virão com o simples aumento de efetivo dos agentes da autoridade, sem maiores reconhecimentos em suas atividades de nível médio; seguido de um aumento salarial proporcionado pela PEC 549 às autoridades policiais, juntamente com o incremento de prerrogativas típicas de carreiras jurídicas de estado, para uma melhor caça aos bandidos e, preferencialmente, num futuro próximo, sem o chato controle externo exercido pelo ministério público; pois, verdadeiros “juízes de instrução”, não sofrem controle externo de ninguém.
De outro lado, a tese dos EPA´s, os chamados “agentes da autoridade” - conceito que também engloba os peritos policiais, caso eles não saibam – os quais buscam ter reconhecidas suas reais atribuições dentro do órgão, como sendo essenciais às atividades de polícia judiciária, e mais ainda, de polícia administrativa (em que não há IPL); bem como propõem à sociedade uma verdadeira revolução no sistema de investigação brasileiro, com o aperfeiçoamento do Código de Processo Penal, no sentido de privilegiar a celeridade das investigações; notadamente, proporcionando uma maior participação dos recursos humanos disponíveis nas organizações policiais, que são mal aproveitados no atual sistema, que concentra tudo na figura da autoridade policial, relegando quase nada aos chamados agentes da autoridade, pelo atual texto da lei; deixando margem a interpretações de Instruções Normativas internas no sentido de que os demais cargos são meros cumpridores de ordens, sendo estes incapazes de tomar qualquer tipo de decisão dentro das investigações em curso, formalizadas pelo atual inquérito policial.
Em síntese, em nosso país, temos a impressão de que se dividir a responsabilidade de atos dentro de uma investigação, como ocorre na maioria dos países civilizados, tem o significado de submissão e de anulação total do desempenho dos demais cargos participantes. Ou seja, dando a nítida impressão de que o delegado de polícia é o único ser humano capaz de fazer, em última análise, tudo de correto, perfeito, dentro de um procedimento de investigação. Argumento este somente defendido por um receio infantil de perda de poder e, na pior das hipóteses, por pura vaidade.
Ressalta-se que, na realidade, hoje às atribuições de fato exercidas pelos EPA´s, tanto na polícia administrativa, quanto na judiciária, vão desde uma simples intimação até a realização de diligências investigativas mais complexas no âmbito criminal e administrativo, e outras como: a análise documental de provas e de registros de interceptações telefônicas; telemáticas; de análise de registros financeiros; fiscais; produção de documentos de informação; etc.
Ou seja, produzir, elaborar, analisar são verbos que se tornaram frequentes nas atividades desses profissionais; ao mesmo tempo em que, não houve um balizamento normativo adequado amparando essas atividades, gerando, hoje em dia, questionamentos sobre o que se estaria sendo feito dentro da própria esfera de atribuições da autoridade policial, pois o CPP é pouco preciso quanto isso.
Na realidade, o CPP, basicamente, restringiu-se a dizer que o agente da autoridade policial deve prender alguém em flagrante delito, bem como, extraindo-se do contexto da lei, que o perito oficial também é um agente da autoridade policial. Ficando a pergunta: Para o que mais serve este termo?
Analisando outros códigos processuais existentes, notadamente, dos países europeus, observa-se que na maioria das vezes quando o texto legal faz referência à atribuição da atividade investigativa policial, cita-se muito a Instituição, o Órgão oficial, a Entidade; focando-se, assim, nas funções do órgão policial (teoria do órgão), pois este, para eles, vem antes dos agentes públicos que exercem o poder de AUTORIDADE POLICIAL, que é poder do órgão estatal, logo do Estado. Poder de autoridade que se manifesta, obviamente, por seus funcionários policiais, em diferentes níveis de hierarquia organizacional e, consequentemente, em diferentes graus de poder de decisão.
Segundo a melhor doutrina alemã, conforme ensina o professor Hélio Bastos Tornaghi, a AUTORIDADE (Behörde), não é dotada de personalidade jurídica (Sie besitzt Keine Rechtspersönlichkeit), pois é o próprio órgão do Estado!
Assim, nesses países, quando se faz referência à Autoridade Policial, isso se faz mais com relação ao poder do órgão que é exercido, em determinado momento, pelos chefes de polícia, inspetores, comissários, supervisores, etc., os quais possuem as atribuições de concentrar, acompanhar, controlar, supervisionar e, finalmente, encaminhar as investigações realizadas pelo órgão oficial, dentro de uma determinada circunscrição, ao ministério público, ou ao juiz de instrução, conforme o caso.
Com efeito, para os europeus e americanos, TODOS os policiais exercem autoridade, não há agentes da autoridade; porém, nem todos possuem todas as prerrogativas, ilimitadamente, pois há níveis de atribuições e responsabilidades ao longo da carreira policial, que é Única; notadamente, de ser superior hierárquico dos demais, havendo sempre chefias imediatas que podem ser conquistadas à medida que se progride na organização, sem que isso, principalmente, não seja entrave à atividade fim para a qual o órgão foi concebido, procurando não haver, em hipótese alguma, desperdício de recursos humanos.
No Brasil, ao contrário, todos os servidores públicos são considerados Autoridades para fins penais – Lei de Abuso de Autoridade -, caindo por terra o argumento de alguns de que sempre o delegado de polícia responde pelos erros e abusos dos chamados agentes da autoridade - sendo certo de que responderá se há provas de que concorreu para o fato abusivo. Aqui, nosso CPP previu de maneira precária até que ponto o agente da autoridade pode ir sem invadir atos indelegáveis da autoridade policial, causando muitos questionamentos hoje no meio policial, pois o CPP, em seus comandos normativos, faz muita referência à Autoridade Policial de maneira isolada, parecendo não dar margens a interpretações extensivas, até mesmo deixando dúvidas quanto a real necessidade do termo agente da autoridade, que não aparece em outros códigos mundo afora.
Certo é que o agente da autoridade, para fins de CPP, é um servidor de natureza policial, pois prende em flagrante, anda armado na rua, investiga, etc. Ao contrário de um oficial de justiça, que é um servidor administrativo que ocupa um cargo totalmente distinto da natureza do cargo de quem representa a Autoridade Judiciária, pois age longa manus para cumprir as ordens emanadas do magistrado, assim como os membros da própria polícia judiciária, que em determinados casos o fazem. Raciocínio análogo pode ser feito com relação aos servidores administrativos do ministério público.
Cabe ressaltar, a título de curiosidade, que na maioria das polícias do mundo existem os policiais (que exercem a Autoridade Policial do Estado) e os funcionários administrativos, que não são policiais de modo algum. Nessas policias, e nos códigos processuais, não existe referência a agente policial da autoridade, agente da autoridade policial, meio-policial da autoridade, meia – autoridade, etc. Como visto, é uma questão da natureza do trabalho exercido pelo funcionário, se é POLICIAL ou não!
Em nossa estrutura policial, no mínimo, já é patente o desperdício de recursos humanos, pois, com todo respeito aos meus colegas escrivães, este cargo (position), não aparece como sendo policial em nenhuma polícia do mundo, nem mesmo na portuguesa, país do qual nosso sistema é herdeiro. O escrivão de polícia deveria ser um investigador - completo - como o agente de polícia e o delegado também deveriam ser, assim como o papiloscopista deveria ser um perito criminal, a exemplo do que ocorre mundo afora.
Com efeito, funções de documentação de procedimentos devem ser feitas por qualquer policial, conforme a necessidade do caso, e sempre com vasto apoio de pessoal administrativo, os quais muitas vezes possuem até mesmo porte de arma para defesa pessoal, como ocorre nos Estados Unidos.
Lá fora, o que na maioria das vezes ocorre, como no caso das polícias americanas, é que, geralmente, um tenente ou um sargento mais velho fica responsável pela burocracia na delegacia (Precinct, Police station), sempre apoiado por pessoal administrativo, ou mesmo responsável pelos atendimentos das ocorrências policiais, pois lá o policial não é usado para ser um plantonista que não tem autonomia para nada - nem mesmo para abrir um claviculário de chaves -, como ocorre nas delegacias do Brasil. Ademais, no FBI, a segurança das instalações e a do pessoal, é feita por um quadro próprio especializado de funcionários (Professional Staff), que não são agentes especiais (special agents), mas profissionais em segurança, assim como vários outros profissionais de apoio. Outro exemplo vem da Justiça Federal do Brasil, a qual conta com um quadro especializado de servidores públicos administrativos (técnicos em segurança), armados, inclusive, para segurança das instalações e das audiências.
Como se vê, muita coisa deve ser debatida, sendo clara a ideia de que a origem de tudo está no mau aproveitamento de nosso quadro policial, da falta de motivação e da falta de contratação de pessoal administrativo, que em muitos casos poderiam ganhar até mais que um servidor policial, dependendo da antiguidade, da complexidade e da responsabilidade do cargo para o qual foi criado, mesmo sendo de carreira diferente dos policiais.
Hoje, o que mais se ouve dentro do órgão são comentários com respeito ao que este ou aquele cargo faz, como por exemplo: que esta atividade é simples; que não tem tanta responsabilidade; que não é complexa; que é coisa de praça; que isso é coisa de oficial; etc. Porém, o fato que deve ficar claro, antes de tudo, é que existem maus servidores em todas as áreas, mas que a falta de expectativa, de motivação e, principalmente, que a existente separação entre os cargos policiais atrapalha, em muito, o desenvolvimento do trabalho da polícia, prejudicando, em última análise, a sociedade como um todo.
Lembrando, ainda, que alguns “príncipes do serviço público” tendem a confundir o termo agente da autoridade (CPP), com “empregado da autoridade”. Fato lamentável, pois todos nós fizemos concurso público. Somos todos SERVIDORES PÚBLICOS. Sendo a hierarquia no serviço público defluir do dever de obediência ao poder de mando conferido aos cargos ocupados em confiança. Além disso, no âmbito dos cargos, o que pode existir é, no máximo, uma vinculação funcional dentro do interesse do inquérito policial, por força do CPP, e que não tem nada a ver com o princípio da hierarquia na Administração Pública.
A consequência lógica dessa falta de unidade dentro do órgão é que cada cargo está procurando ater - se ao máximo dentro de suas esferas de atribuições, mesmo que precariamente positivadas na Portaria 523/89 do MPOG, como é o caso específico dos EPA´s.
Outro fato perceptível é quanto à mudança de comportamento daqueles servidores que costumavam ser mais abnegados, pois passaram a não ver mais razões para agirem como antes, tais como: despender horas a fio de trabalho, sem revezamento de pessoal e muitas vezes em condições perigosas à saúde; dispensar as compensações de horas extraordinárias, ocasião em que poderiam ficar com suas famílias; ficar fazendo pesquisas sobre assuntos e legislações que não são, inicialmente, afetas ao seu cargo; ficar se indispondo com colegas de trabalho dentro dos setores, pois não são chefes de nada; ficar procurando resolver problemas de logística básicos em setores diversos; etc.
Logo, o amor, como pode ocorrer nas relações pessoais, infelizmente, está acabando. Hoje, o que se vê em quase todos os cargos, é uma vontade de procurar outra coisa para fazer da vida, ou aguardar ansiosamente a aposentadoria. Tudo por pura falta de expectativa de melhoras no órgão.
Conversando com os colegas, principalmente com aqueles que não têm formação em Direito, noto que também há um grande receio de enfrentar mudanças dentro de nosso sistema, pois a maioria esmagadora deles não quer lhe dar com o inquérito policial, pelo menos da maneira como ele é feito hoje. Sendo que, até mesmo muitos delegados, se tivessem que fazer muitas das diligências que são requisitadas aos chamados agentes da autoridade, certamente, teriam já procurado fugir dele, tamanha a falta de objetividade que o sistema atual proporciona (várias vezes a mesma diligência ou inquéritos repetidos). E não por culpa exclusiva deste ou daquele cargo, mas do sistema como um todo, incluindo-se aí o próprio Ministério Público.
Acredito, assim, que vou concordar com a tese do delegado aposentado Dagoberto Albernaz Garcia, em seu artigo, e ainda vou acrescentar mais algumas coisas. Acho que a carreira jurídica buscada pela maioria dos delegados é um equívoco, e não por causa da opinião contrária da FENAPEF, que a meu ver, simplesmente, deveria evitar tocar no nome do cargo de delegado de maneira generalizada em nosso site. E sim, da Administração, geral ou local, que por um acaso é exercida pelo servidor fulano de tal. Dessa forma ficaria claro que a manifestação publicada é um desagravo em relação a determinados administradores, procurando-se, assim, falar do cargo de delegado, genericamente, somente quando se tratar de assuntos como a lei orgânica, reforma do CPP, etc.
Ou seja, falando de assuntos de interesse geral dos policiais, os quais devem ser discutidos no campo das ideias. Se bem que, recentemente, já comecei a ler sobre deslizes de outros cargos no site, mas que isso seja feito com imparcialidade para não parecer perseguição ao cargo de delegado, simplesmente por ocuparem os postos de chefia na instituição. Assim, se o delegado, agente, escrivão, papiloscopista ou perito forem pegos cometendo um crime, que se indique o cargo de todos, ou não se indique o de nenhum deles. Não vamos acirrar os ânimos de ambos os lados à toa.
Mas, voltando à carreira jurídica. Hoje, a contrariedade a sua implantação vem mais do Ministério Público, da Magistratura, dos Oficiais das PM´s, dos Bombeiros e dos Governadores dos Estados (que terão que enfrentar um efeito cascata nos salários dos demais), do que da própria FENAPEF, que a meu ver poderia até ignorar o assunto, pois é tanta gente contra que não faria qualquer diferença, nem mesmo se apoiasse a PEC abertamente.
As chamadas prerrogativas das carreiras jurídicas típicas de estado, já foram bem definidas e concedidas aos magistrados e aos membros do ministério público, pois são eles sujeitos processuais, ou seja, os que, efetivamente, formam a relação jurídica processual, pois estão inseridos na Ação Penal. Outro fato, as emendas à Constituição caminham para frente e não para trás, ou seja, a CF/88 concedeu a eles - e somente a eles - de forma natural, tais prerrogativas, vindo a “enxugar” privilégios que eram concedidos na carta anterior. Sob o risco, até mesmo, de qualquer servidor público as querer também, bem como querer também a equiparação remuneratória de subsídios com os membros do ministério público e da magistratura.
Nesse sentido, interessante a posição adotada pelo STF, quando do julgamento de inconstitucionalidade da EC nº 03: "as reformas constitucionais precipitadas, ao sabor de conveniências políticas, não levam a nada, geram a insegurança jurídica, é lógico, portanto, que o constituinte originário desejando preservar sua obra, crie dificuldades para alteração.”
Ademais, ter reconhecida uma atividade jurídica, dentro de um procedimento administrativo, não é o mesmo que ter direito subjetivo a uma carreira jurídica, ainda mais com prerrogativas de membros da magistratura e do ministério público, nitidamente, de natureza jurídica processual.
Com efeito, o que as recentes emendas às constituições estaduais têm concedido aos delegados de polícia civil é uma carreira jurídica com a chamada prerrogativa da independência funcional pela livre convicção nos atos de polícia judiciária – prerrogativa que já é presumida para qualquer servidor público que labore dentro de um procedimento ou processo administrativo. Logo, se caracterizado o desvio de finalidade de qualquer ato administrativo (uma remoção de ofício com o fim de perseguição, por um exemplo) este pode atacado com socorro à justiça e ao próprio ministério público.
Entretanto, a despeito dessas emendas às constituições estaduais, a tão sonhada equiparação remuneratória com os membros do ministério público, ao que tudo indica, nunca será uma realidade; pois, na visão acertada do MP e da Magistratura, o que se quer, realmente, é quase uma equiparação de subsídio e uma independência funcional do cargo de delegado de polícia (sem qualquer controle externo), o que não existe em polícia alguma do mundo civilizado. Ou seja, todas são vinculadas ao Ministério Público e/ou à Magistratura. E mais de maneira unânime ao Ministério Público.
Acredito que seria mais plausível lutarmos (todos) por uma polícia forte e unida, em busca de reformas processuais e institucionais com o fim de promover uma verdadeira revolução em nosso método de investigação atual, de modo a termos um procedimento de investigação que prese pela busca de elementos de autoria e materialidade. Investigação sob uma ótica factual e sem devaneios jurídicos, pois a atividade investigativa policial não se confunde com as atividades típicas das carreiras jurídicas em lugar algum do mundo. É uma ilusão, uma fantasia: o delegado de polícia achar que é um juiz de instrução europeu!
O Direito enquanto ciência é importante, mas outras áreas também o são, não existe essa supremacia intelectual que é pregada de maneira insana, e até mesmo ridícula em determinados casos. Tenho plena certeza de que nosso corpo de servidores é capaz de receber bem essas mudanças, estando aberto a treinamentos específicos que naturalmente serão inseridos no novo método investigativo, que terá como fim último a apuração de fatos e encaminha-los ao ministério público para formação da opinio delicti. Sob o prisma do Direito, o que é necessário é se observar garantias e direitos fundamentais, noções de direito penal e processual, que mesmo na academia de polícia já podem ser ministrados no início da formação do policial, como ocorre em qualquer polícia do mundo. O resto é boa vontade para trabalhar!
Essa revolução seria até mais na forma de como a polícia judiciária é estruturada em seus cargos, do que propriamente processual (necessária também) como já defendido acima. O aproveitamento dos recursos humanos seria a mola mestra dessa mudança, pois hoje é inconcebível que todo o poder de decisão durante as investigações esteja somente nas mãos de uma única pessoa, o delegado de polícia.
Tanto isso é verdade, que as recentes reformas no CPP caminham nessa direção, prevendo a possibilidade do colhimento de testemunhos de maneira mais informal, sem a necessidade de termos e assinaturas, como ainda é a regra, havendo ainda a possibilidade de gravações em áudio e vídeo, sem a necessidade de transcrições, evitando-se, assim, que as Delegacias de Polícia se tornem centros de oitivas de testemunhas que muitas vezes são mais penalizadas que o próprio investigado.
Nota-se, mesmo hoje em dia, é que dentro de muitos IPL´s o que há de mais essencial é uma diligência (simples ou complexa) que deve ser bem elaborada e relatada, para subsidiar o ministério público naquilo que ele precisa para a Ação Penal; sendo o resto muitas vezes burocracia à qual é ainda mais afetada pela excessiva falta de comunicação entre os cargos.
Sugere-se, por um exemplo, que cada grupo de investigações (200 ou 300) tenha um supervisor, gerente, chefe, delegado seja lá qual for o nome, o fato é que as investigações seriam divididas entre equipes formadas por dois policiais, que fariam tudo do início ao fim, contando com o apoio de servidores administrativos, e não somente encarregados de realizar diligências desconectadas com o todo, que só prejudicam a celeridade e objetividade do trabalho realizado. Desse modo, haveria uma responsabilidade natural com tudo o que estava sendo produzido pela equipe. Ao final, o supervisor assinava o relatório junto com a equipe que produziu a investigação. O mérito ou o fracasso seria responsabilidade de todos!
Ocorre que uma questão importante surgiria: Como resolver o problema da Carreira Única para a supervisão das investigações?
Resposta: acredito que os atuais delegados fizeram o concurso primeiro para exercerem as funções de autoridades policiais, chefes da investigação, mesmo que formalizada pelo burocratizado inquérito policial, sendo natural que seguissem assim até o final da carreira. Porém, a de que se ressaltar que haveria a possibilidade, caso quisessem, para que os atuais “agentes da autoridade” viessem a supervisionar um dia também; sendo clara a passagem por critérios objetivos fixados em lei para promoção na carreira, pois não haveria mais concurso direto para chefes ou supervisores de investigações.
Ressalta-se que nos debates em torna da Lei Orgânica, um delegado aposentado do DPF, salvo engano ex-dirigente da ADPF, juntamente com o ex-deputado federal, Marcelo Itagiba, chegaram a sugerir a volta da reserva de vagas para o cargo de delegado – 50% das vagas seriam reservadas para os chamados agentes da autoridade, e as demais para o público externo, formado por pessoas as quais não têm qualquer experiência policial - afirmando que naquela época as coisas eram muito melhores dentro do órgão.
Ocorre que, acertadamente, os EPA´s rejeitaram a proposta, que além de claramente inconstitucional, por continuar a ter concurso direto para o cargo de delegado (os outros 50%), pois em uma estrutura de Carreira Única é vedado o ingresso em cargos intermediários, segundo o próprio STF.
Assim, o modelo que se vislumbra passa por uma Carreira, verdadeiramente, Única, nas palavras do delegado aposentado Dagoberto Albernaz Garcia. Ou seja, o policial começaria na base da carreira, com a possibilidade de ser supervisor de investigações, por meio de critérios objetivos, como ocorre nas melhores polícias do mundo. Isso tudo, sem se falar na reformulação total do burocrático Inquérito Policial, que poderia até mesmo passar a ter outro nome, sugestivamente, relatório final de investigações, conforme já previsto no atual CPP.
A figura do supervisor é muito comum nas agências de investigação americanas e nas policias do mundo inteiro, porém exercendo outras denominações conforme seu país de origem, com notado traço de manter os policiais motivados com a carreira.
Claro que em nosso meio, infelizmente, ainda isso soa mal para a maioria dos ocupantes do cargo de delegado de polícia, os quais se apegam as mais diversas “justificativas” para negar essa lógica mundial dentro das melhores polícias de investigação. A título de exemplo, li recentemente no site da ADPF, a publicação do artigo: Carreira policial: estudo comparativo entre a estrutura da polícia federal brasileira e norte-americana, datado de 06/11/2012, de autoria do delegado federal Bruno Fontenele Cabral, o qual também já havia lido anterior publicação no conhecido site jurídico Jus Navigandi.
O aludido artigo, em linhas gerais, diz não existir provimento derivado vertical ou ascensão funcional também nas carreiras policiais das agências de investigação norte - americanas, pois lá existe a especialização dos cargos policiais, organizados em carreiras distintas, sendo que seus chefes máximos, as autoridades, os cargos americanos (especial agents e outros), têm seus equivalentes na polícia federal brasileira com o cargo de delegado.
Pois bem, com a devida vênia, ouso discordar do nobre delegado, pois, inicialmente, as agências de investigação norte-americanas não são propriamente polícias no sentido estrito da palavra. Com efeito, o FBI, por um exemplo, é uma organização de segurança nacional com funções de aplicação da lei; porém, sendo cabível a comparação, no que tange às investigações, com a polícia federal brasileira.
Assim, mesmo que quiséssemos considerar todos os cargos (positions) do FBI como sendo de natureza policial, não poderíamos fazê-los, pois lá existem duas carreiras distintas: a dos Special Agents (“policiais federais”) e dos Professional Staff (pessoal profissional). E mais, todos os postos de supervisão podem ser atingidos por qualquer um na organização, dentro de suas carreiras específicas, as quais têm diferentes níveis salariais, pois, dependendo do caso é perfeitamente possível alguém do pessoal profissional ganhar mais do que um agente especial, por meio das diferentes GS´s as quais estão previstas nas tabelas de remuneração que o governo federal americano dispõe para parametrizar o pagamento de seus funcionários.
Por final, concordo que a ascensão funcional é proibida pela atual constituição federal; porém, a promoção funcional dentro da Mesma carreira, no singular, como a nossa que está prevista tanto na CF/88 como na Lei 9.266/96 (logo Única) sempre foi permitida.
É o que se extrai da leitura da EMENTA da ADIN 231/1992 do STF”. Ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento no tocante a cargos ou empregos públicos. – O critério do mérito aferível por concurso público. é, .., indispensável para cargo ou emprego público isolado ou em carreira. Para o isolado, em qualquer hipótese para o em carreira, para o ingresso nela, que só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas títulos, não o sendo, porém, para os cargos subsequentes que nela se escalonam até o final dela, pois, para estes, a investidura se fará pela forma de provimento que é a "promoção".
Estão, pois, banidas das formas de investidura admitidas pela Constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a geral o servidor público ingressou por concurso, e que não são, por isso mesmo, ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que sucede com a promoção, sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de cargos isolados.”
E, logo abaixo, segue o voto do Ministro Octávio Gallotti, no julgamento da mesma ADIN:
“Ora, o que temos agora em vista é a chamada ascensão funcional, que pressupõe, necessariamente, a existência de duas carreiras: a carreira de origem e aquela outra para a qual ascende o funcionário.
Uma carreira, no serviço público, pode ter cargos de atribuições diferentes, geralmente mais complexas, à medida que se aproximam as classes finais.
Nada impede, também, que a partir de certa classe da carreira, seja exigido, do candidato à promoção, um nível mais alto de escolaridade, um concurso interno, um novo título profissional, um treinamento especial ou o aproveitamento em algum curso, como acontece, por exemplo, com a carreira de diplomata.
O que não se compadece com a noção de carreira - bem o esclareceu o eminente Relator, – é a possibilidade de ingresso direto num cargo intermediário.
Se há uma série auxiliar de classes e outra principal, sempre que exista a possibilidade do ingresso direto na principal não se pode considerar que se configure uma só carreira.”
Logo, tanto no FBI americano, como na Polícia Federal brasileira, é perfeitamente possível a promoção dentro da mesma carreira “p.o.l.i.c.i.a.l”!
Tal solução pode parecer desagradável para alguns, notadamente, para aqueles que pensam somente em trabalhar na polícia administrativa. Porém, primeiro temos que pensar que a investigação policial é a essência da polícia, o fim para o qual ela foi concebida. Na polícia da carreira única haveria lugar para todos, com todas as atribuições que o DPF tem hoje, mas sob uma concepção de investigação policial, e também de supervisão da polícia administrativa totalmente diferente da atual. E que seria muito boa para os próprios delegados. Lembrando que, muito do formalismo do atual inquérito policial, enquanto procedimento administrativo de investigação foi a atual estrutura policial que criou, e não necessariamente o CPP que mandou que fosse assim. Ademais, o CPP está evoluindo nesse sentido. Logo, nosso problema é mais interno do que de códex.
Ressalta-se que não está se defendendo que fossemos delegados, pois o nome deste cargo, em última análise, só é um outro nome diferente para chefe, supervisor, gerente, inspetor, xeriff, etc.
Certa vez, um procurador da república me disse: o que nós precisamos que uma investigação nos traga, muitas vezes, é somente de uma folha de papel que prove alguma coisa, uma diligência bem feita, ou seja, um relatório de fatos bem elaborado. A guerra interna que vocês vivem é estúpida!
Finalmente, assim como o delegado aposentado Dagolberto Albernaz Garcia, acredito que a melhor opção seria a implantação da carreira verdadeiramente Única, logicamente com o aproveitamento do atual quadro de policiais (altamente qualificado), e sem os chamados “trens da alegria”.
Assim, torso que se decida logo por um modelo em que não se tenha mais meias – autoridades na polícia brasileira, mesmo que para isso, em último caso, leve à extinção dos atuais cargos de agentes da autoridade policial, pois estes enquanto cargos (assessores de policiais, sendo policias) não existem em polícia alguma do mundo civilizado. É uma jabuticaba brasileira!
O autor do artigo- José Ronaldo Brites é Agente de Polícia Federal lotado em Joinville/SC
Fonte: SINPOFESC