Artigo originalmente publicado em 9 de abril de 2008...
O filme policial tem como característica a ação, a demonstração da arte de investigar e evidencia a capacidade de enfrentamento do policial. Excluindo os exageros, retrata a realidade de alguma comunidade ou mesmo de alguma época. Explana a disputa do Estado, através da polícia, com as organizações criminosas. Com isso, coloca-se na preferência dos aficionados por cinema. O espectador participa da trama, entra no jogo, envolve-se com emoção esperando um final que geralmente é imprevisível. Empolga-se com as estratégias levadas a efeito pelo investigador. Anima-se à medida que o policial se aproxima de um desfecho positivo. E, ao final, regozija-se com a prisão e condenação. Sai de alma lavada ciente de que o crime não compensa.
É claro que o autor, ao escrever, emprega os procedimentos adotados pela polícia, seguindo o modelo de investigação adotado no país cuja história se desenvolve.
Com isso, imaginemos o roteiro de um filme policial brasileiro que venha demonstrar a forma de investigação procedida no Brasil.
O nome do filme, obviamente, teria que ser IPL, porque é assim que se investiga, segundo alguns. E teria que ganhar um número, o que é de praxe. Que tal 171? É, de fato é um bom nome para o nosso filme: IPL 171.
O espectador já entra no cinema arrepiado e curioso com o que verá. Apagam-se as luzes, abrem-se as cortinas, ao fundo a música do Mc Créu e aparece o personagem principal - a autoridade, cumprindo a risca o script. Em uma mesa cheia de papel, depois de um blá-blá-blá, a célebre frase: “autue-se, publique-se e intime-se”. Isso, com certeza, arranca suspiros da platéia.
Doravante as emoções aumentam. Depois de expedir várias intimações para o suspeito e testemunhas, chegam os coitados na delegacia. E aí vai: O quê? Quando? Como? Por quê? Como as coisas funcionam bem aqui no Brasil, por que ir à rua como fazem os investigadores americanos, franceses, alemães e etc.? Respondidas essas perguntas, a autoridade respira fundo, olha para o depoente, encara o escrivão e resolve que vai indiciar o suspeito. Sensacional, a platéia não se contém e aplaude insistentemente. É muita emoção!
E por aí vai... No cenário, papel pra lá, papel pra cá, carimbos à vontade... Na espera do desenrolar dos fatos, um pedido de prazo — é a hora do slow motion. Ah! Para retratar nossa realidade há de ser um longa metragem, afinal, a singela burocracia do inquérito haverá de invadir as telas.
Quando a autoridade resolve pedir a prisão temporária ou preventiva, ou mesmo alguma quebra de sigilo, há um frenesi total, delírio coletivo no cinema — é a hora do clímax, ponto culminante da ação dramática. Para o bem dos poderosos, e pela sobrevivência desse modelo, não é mostrado o serviço de inteligência realizado pelos policiais e tampouco a importância da perícia.
Aproxima-se o final - é a hora do relatório. O Créu (fundo musical) já está na velocidade cinco, e a platéia atenta na expectativa de um desfecho positivo. Eis que de repente termina o filme, a tela escurece e aparece uma frase em letras garrafais:
Desculpem, senhoras e senhores, aqueles que quiserem saber o final, terão que assistir ao próximo filme que se dará dentro do Judiciário, onde tudo que aqui foi visto será repetido - daí é para valer.
É hora de conhecer o elenco. Nos créditos, apenas a estrela principal. Fecham-se as cortinas, acendem-se as luzes, e as pessoas saem frustradas em direção de seus lares.
É justamente essa frustração que toma conta do povo brasileiro pela impunidade que impera neste país. O que preocupa é que a maioria desses filmezinhos não tem um final feliz, pois sequer chega ao Judiciário, por força da burocracia e da incompetência de seus diretores e defensores.
Fonte: Agência Fenapef