A Polícia Federal (PF) conta, hoje, com 27 cães em preparação, 14 cães prontos para detecção de explosivos e 36 para detecção de drogas. O canil de Brasília é o “Canil Escola”. Nesse espaço, todos os cães são usados para o trabalho e, só depois de prontos, são enviados aos outros estados. Há 12 canis em todo país.
Os cães da PF atuam em operações de barreira e fiscalização, rodoviárias, portos, aeroportos, fronteiras, embarcações, além de serem utilizados em apoio às atividades de outros órgãos quando solicitado.
Policiais federais que trabalham no treinamento de cachorros usados nas operações/trabalhos federais afirmam que, constantemente, ouve de parte da sociedade comentários como: “coitadinho dele”, “olha lá os cachorros drogados” ou “nossa que peninha deles”. Algumas ONGs de proteção animal já chegaram a protestar por acharem que os cães são usados
apenas como uma ferramenta de trabalho e exploração.
Para desmistificar esse pensamento, a Agência de Notícias da Fenapef, entrevistou o o agente federal Marcelo Azem, lotado na Divisão de Canil Central da Polícia Federal (Dican). Ele é o responsável pela seleção e preparação dos filhotes da PF desde o nascimento até a sua preparação final, quando são considerados prontos para o trabalho. Azem é um dos 22 Guias de Cães Farejadores de Drogas em atividade no Brasil.
Entrevista
1) Agência de Notícias Fenapef (ANF): Como é feito treinamento desses cães?
Marcelo Azem (MA) – O treinamento dos filhotes é iniciado depois dos 45 dias de vida, quando começamos a estimular alguns de seus instintos. Nessa fase introduzimos um paninho e eles brincam em matilha, todos juntos. Não interferimos, apenas damos vida ao pano para que eles sejam estimulados. Depois dos 60 dias começamos a fazer o treinamento individual. Eles são separados em box pois, se ficarem juntos, aquele que é mais dominante pode interferir no desenvolvimento dos demais. Por isso, os separamos e focamos o trabalho em cada um, o que acontece até um ano e meio ou dois anos, quando os deixamos prontos para começarem o curso onde é feito a introdução de odores.
2) ANF – Existem raças especificas, por quê?
MA – O canil em Brasília começou com quatro raças: o Labrador, o Espringer, o Pastor Alemão e o Pastor Belga Malinois. Hoje, trabalhamos apenas com o Pastor Alemão e o Pastor Belga Malinois por serem raças mais resistentes ao clima de todos os estados brasileiros.
3) ANF – Como é feita a introdução do odor para que o cão saiba encontrar drogas ou explosivos?
MA – Começamos essa introdução quando o cão está com aproximadamente oito meses, sempre com a supervisão de um instrutor para impedir alguma situação que traga algum trauma para o animal. A introdução do odor nada mais é do que a continuação da brincadeira. É introduzido mais um odor para ele, como o da cocaína, maconha ou êxtase, que ele vai associar com o brinquedo dele.
Nós preparamos dois tipos de cães. Um para detecção de drogas e outro para explosivos para atuar na varredura de bombas quando solicitado. O cão detector de drogas não trabalha com detecção de explosivos e vice-versa.
4) ANF – O que é necessário para que o agente da PF faça parte do canil?
MA – Os colegas que se candidatam ao canil fazem um curso cinófilo, onde são avaliadas algumas características, principalmente a paciência, pois é a característica que o agente mais precisa ter para trabalhar com o cão. Costumamos falar que é necessário ter paciência, paciência e paciência, porque o trabalho com o cão é desgastante e repetitivo. O cão demanda muita atenção por parte do policial. O agente tem que ser extremamente dedicado porque o cão dependerá totalmente dele. Se eu perceber que o colega não tem essas características de paciência e dedicação ele não poderá fazer parte, pois, se ele não tiver esse cuidado e carinho, o cão vai ficar em depressão, vai adoecer ou ficar estressado. Cobramos muito essas características, já que o policial que trabalha com o cão é o primeiro a chegar e o último a sair.
5) ANF – Como são os cuidados com os cães no canil da Polícia Federal?
MA – Nós temos uma clínica veterinária que presta serviço para o nosso canil. Eles recebem todo o tratamento necessário desde o nascimento até a sua aposentação. Desde vacinas, vermifugação, remédios anti pragas (carrapatos, pulgas e mosquitos portador da leishmaniose), controle de peso, alimentação adequada e toda higienização.
6) ANF – Os cães conseguem distinguir o momento de lazer do momento de trabalho?
MA – A gente acredita que todos os momentos são de lazer, mesmo quando estão em serviço eles entendem como brincadeira. O que muda no entendimento deles é só o tipo da brincadeira. Dentro do canil eles têm exercícios como natação, brincadeiras em matilha, entre outras, já no trabalho ele geralmente está em área externa e diferente do habitat natural dele.
7) ANF – Com quantos anos o cão policial se aposenta?
MA – Pela instrução normativa da PF, com sete anos o cão já pode se aposentar, mas para isso são feitas avaliações físicas e técnicas para saber se ele ainda está em condições de continuar trabalhando. Se ele estiver em condições , continuará.
8) ANF – O que é feito com o animal aposentado?
MA – Quando o cão se aposenta é dado prioridade ao policial cuidador adotá-lo, dando a ele todo amor, carinho, cuidado e atenção até o fim da sua vida. Essa prioridade é dada ao policial pelo vínculo que é estabelecido entre eles durante todos os anos de trabalho da dupla.
9) ANF – Parte da sociedade acredita que existe exploração desses cães. Poderia comentar sobre o assunto?
MA – Para os cães não é trabalho, é brincadeira. Eles entendem que estamos o levando para brincar. Quanto mais trabalho, mais divertido é para eles, pois são recompensados com carinho e brincadeiras a todo momento. Isso é ótimo para eles, porque não terão estresse de box. Lógico que tudo é dosado. Por exemplo, se o cão trabalhou por uma hora ele vai descansar no mínimo uma hora para poder voltar ao trabalho. Temos que está sempre avaliando o rendimento do cão.
10) ANF – Como é a convivência do policial com o seu cão?
MA – A convivência do policial com o cão é de extrema importância. Chamamos binômio – homem/cão. A medida que o agente vai trabalhando, vai conhecendo o seu animal. Quando o cão percebe algo anormal seu comportamento muda e só percebe quem já tem essa convivência com ele. Temos casos de flagrantes com cães no aeroporto de Brasília, onde o cão estava deitado perto de uma perfumaria, ele simplesmente levantou e começou a andar. O agente, por conhecer o seu cão, o acompanhou por ter percebido que o cão detectou algo suspeito. O cão foi até um passageiro que estava com uma quantidade de drogas em sua bagagem. Esse momento chegou a ser registrado por filmagens do aeroporto de Brasília. O agente conhece até a intensidade do faro do seu animal e sabe quando ele está farejando diversas situações.
11) ANF – A sociedade tem uma visão equivocada sobre o trabalho policial com os cães. O que você tem a dizer para desmistificar essa ideia?
MA – Nossos cães são todos muito bem cuidados. Desde o nascimento, nós treinamos e estimulamos os instintos deles com introdução de brinquedos. É sempre uma brincadeira, nós nunca deixamos o cão chegar à exaustão, nunca vamos até o limite dele, tentamos sempre fazer de uma forma prazerosa para o animal. Estamos sempre preocupados com sua saúde. Tudo que é feito com ele até a fase adulta é por meio de brinquedos e brincadeiras, o que para gente é um trabalho para ele é só mais uma brincadeira. Nós temos a preocupação de, além da recompensa por meio dos brinquedos, oferecer o contato físico por meio de carinho. Damos muita importância a esse contato tanto que quando o cão encontra algum tipo de droga ele volta até nós para receber o carinho e o seu brinquedo. E é através disso que é feito o nosso trabalho. É recompensador para o cão e para os policiais ver a alegria do cão ao saber que fez um bom trabalho. Se não tiver essa recompensa o cão acaba sendo desestimulado.
12) ANF – Alguma pessoas acreditam que o cão tem contato direto com a droga em seus treinamentos olfativos. Explique um pouco sobre isso?
MA – A sociedade às vezes tem esse conceito de que os cães são drogados. É até uma loucura esse tipo de pensamento, pois não teria como ficarmos introduzindo cocaína, maconha, craque, êxtase para um cão desses. Com certeza ele iria morrer ou ter a saúde comprometida. O nosso cão não tem contato com as drogas, é só a associação do odor da droga ou explosivo aos seus brinquedos. O cão tem mais de 200 milhões de células olfativas, não existe a necessidade de um contato direto com a droga para que ele faça esse tipo de associação.
13) ANF – O canil da PF faz um trabalho de socialização dos cães com crianças por meio de visitas e palestras em escolas. Como é feito?
MA – A receptividade das crianças com os cães é sempre extraordinária. Esse trabalho de socialização do cão com as pessoas é de extrema importância, uma vez que ele faz o trabalho de farejar humanos também, principalmente os passageiros em portos, aeroportos e rodoviárias. É um trabalho de conscientização feito junto com o grupo antidrogas da Polícia Federal, o Gepred. É um trabalho que eu acho muito valoroso. Nesses trabalhos sociais fazemos demonstração do trabalho do cão. É muito gratificante para nós.
FONTE: Agência Fenapef