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A PEC dos Delegados e a ruptura da ordem constitucional Postado em 16/12/2011 por SINPEFRN às 00:00

No dia 14 de dezembro deste 2011 -- quase no final do ano forense, legislativo e fiscal -- aconteceram três fatos caracterizadores de um mesmo fenômeno e de extrema importância para o mundo jurídico e para a cidadania: 1) o retorno - por decisão do Supremo Tribunal Federal - do político Jader ao Senado, estacado no voto de qualidade do Presidente daquela Casa (que anteriormente poupou-se de utilizar o referido instrumento); 2) o noticiário de declaração -- ainda do Presidente do Supremo Tribunal Federal -- de que os réus na ação penal que tem por objeto o julgamento dos possíveis crimes do esquema denominado "mensalão" poderão ser alcançados pela prescrição; e 3) o noticiário da aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constituicional (PEC) que retira o poder do Ministério Público -- quer o Federal quer os Estaduais -- de conduzir investigações criminais. Este último é o mais grave e sobre ele vou deter esse texto.

A Proposta de Emenda Constituicional (PEC 37/11) aprovada na CCJ ontem altera o texto constitucional para deixar claro que o Ministério Público não pode fazer investigações criminais e nem conduzi-las. Isso se dá pela alteração do texto constitucional, excluindo das funções institucionais do Ministério Público -- isto é, da sua prática estável e rotineira -- o controle da atividade policial. Assim, só quem primeiro poderá dizer se alguém praticou um crime ou não é um delegado.

Trata-se de uma medida que diminui os controles sociais formais das atividades criminosas, principalmente por quebrar a relativização imediata que a atuação do Ministério Público faz do poder de criminalização do indivíduo; em outras palavras, a primeira autoridade a dizer que algo é crime é a policial. A presença do Ministério Público nas investigações relativiza isso, retira esse monopólio do policial, fazendo até com que delegado pense duas vezes. Além disso, essa presença é importante pois o Ministério Público também atua quando a polícia se omite, não investiga e não apura os fatos. Com a PEC dos Delegados, isso vai acabar. Se um policial não investigar, quem vai fiscalizar isso é um outro policial, colega dele, e não alguém independente.

Um projeto de emenda constitucional desses num momento em que há escândalos e mais escândalos envolvendo autoridades do Executivo -- principalmente o caixa de campanha da Presidente da República -- é o equivalente a um golpe de Estado. Primeiro porque a Polícia Federal não é autônoma e nem independente. A Polícia Federal não tem autonomia orçamentária. O dinheiro que ela recebe pra funcionar passa pelo Ministro da Justiça, que é indicado pela Presidente da República. Em segundo lugar, porque o Constituinte originário quis que o Ministério Público investigasse. E muita coisa vem acontecendo de lá para cá. A Assembléia Constituinte que escreveu a Constituição de 1988 não foi maculada por mensalão, nem por outros escândalos de corrupção como os que atingem o atual Congresso, que virtualmente julgará essa PEC.

As decisões contra a literalidade da Constituição proferidas pelo Supremo; a personalização da definição da aplicabilidade da lei da Ficha Limpa nas mãos de um só homem, que muda de postura de uma hora para outra; a redução do poder investigatório do Ministério Público por um Congresso altamente suspeito e povoado de escândalos; e finalmente, tudo isso acontecendo num momento em que o caixa de campanha da presidente Dilma está sofrendo acusações graves, indicam só uma coisa: o Ciclo da Constituição de 1988 acabou.

Em 1991, a legitimação de uma Constituição de três anos de idade era forte o bastante para "impichar" o presidente; em 2011 ela é ilegitima para até permitir a investigação quando isso acontece de novo. Nossa ordem constitucional foi rompida.

*Carlos Henrique de Castro Magalhães é advogado no Rio de Janeiro.

Fonte: O Globo

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