notícias

Como aplicativo ajudará a evitar ataques terroristas na Rio 2016 Postado 20160719 por Sindicato dos Policiais Federais às 10:55

Um aplicativo está sendo distribuído pela polícia a funcionários de hotéis, restaurantes, barcas, trens, concessionárias públicas, rodoviária, metrô, guias de turismo e até voluntários da Rio 2016 para ajudar na prevenção e identificação de possíveis ataques terroristas durante a Olimpíada.

O uso do app, desenvolvido pela Polícia Federal e a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos (Sesge) e entregue a usuários em um treinamento específico, ganhou relevância em meio a crescentes temores de ataques no Brasil após os atentados de Nice, no sul da França, que deixaram ao menos 84 mortos.

A BBC Brasil teve acesso exclusivo ao aplicativo, batizado como “Vigia”, que ainda está em fase final de implantação e já foi entregue a mais de 500 pessoas que passaram pelo treinamento e agora atuarão como multiplicadores em seus locais de trabalho. Com a ferramenta em mãos, profissionais de diferentes áreas poderão acionar uma unidade destacada do Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), que gerencia toda a operação de segurança dos Jogos.

Segundo a Sesge, o aplicativo instalado em smartphones permitirá que o usuário informe sobre atividades suspeitas, com mensagens de texto, fotos e alertas. Por meio de sistemas de GPS, os policiais no CICC poderão identificar exatamente onde se encontra o usuário, e em tempo real poderão fazer a análise das informações e decidir pela resposta mais adequada.

Comportamentos incomuns, como por exemplo um hóspede de hotel que não sai do quarto há muito tempo, um carro suspeito estacionado diante de um local de grande movimentação, pessoas que andam no sentido contrário da multidão numa grande estação ou quaisquer outras atividades suspeitas poderão ser relatadas.

“O aplicativo ajudará tanto na identificação de potenciais crimes comuns, como assaltos ou arrastões, até atividades suspeitas que poderiam levar a um ataque terrorista. Obviamente às vezes um comportamento estranho não tem nenhum aspecto de ameaça de segurança. O usuário será orientado pelo CICC em como proceder e as equipes poderão ativar meios necessários para reagir caso avaliem um alerta como uma ameaça concreta”, diz William Murad, delegado da Polícia Federal e diretor de inteligência da Sesge.
2

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA/SESGE Image caption BBC Brasil teve acesso exclusivo ao aplicativo batizado de ‘Vigia’; ferramenta envia fotos que são cruzadas com base de dados faciais da PF e da Interpol

Uma das funções do aplicativo permite o envio de fotos de suspeitos, que ao chegarem ao CICC podem ser cruzadas com uma base de dados da Polícia Federal e da Interpol.

O aplicativo não está disponível para download público. Ou seja, é uma ferramenta de segurança pública criada pelos setores de inteligência da Polícia Federal e da Sesge e repassado diretamente por esses órgãos públicos às concessionárias e empresas privadas que participam da operação.

‘Antes tarde do que nunca’
Para Vinicius Domingues Cavalcante, consultor em segurança e diretor da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança (Abseg), a iniciativa é “válida e bem-vinda”, mas deveria ter ocorrido com mais antecedência.

“Tudo que se faz com o objetivo de conscientizar a população e trazer as pessoas comuns para a vigilância ao crime e ao terrorismo é válido. Mas se o objetivo era ser proativo, e se sabemos que sediaríamos a Olimpíada há sete anos, fazer este tipo de treinamento na reta final é tarde. Poderíamos estar treinando estes esquemas e termos uma rede de inteligência bem montada há muito mais tempo. Mas antes tarde do que nunca”, diz.

O especialista considera que o Brasil está muito avançado nas ações de “contraterrorismo” (medidas de reação a ataques) e que os grupamentos táticos de resposta a guerra química, biológica e nuclear, além de unidades de resgate, estão “em pé de igualdade com as melhores do mundo”. No entanto, Cavalcante diz que nas medidas de “antiterrorismo” (prevenção, identificação de ameaças e alertas), o país ainda precisa avançar.

“Como podemos esperar melhores resultados sem que estas ferramentas e capacitações tenham sido exaustivamente treinadas durante meses? Eu também considero que os nossos ‘first responders’, os policiais, guardas municipais, bombeiros e vigilantes privados, os agentes de ponta, não foram sido satisfatoriamente treinados para os Jogos”, diz.
3

DIVULGAÇÃO Image caption Instalações Olímpicas terão planos de segurança revisados após ataque a Nice

Cavalcante também alerta para a necessidade de uma cultura de maior revista e segurança em pontos turísticos como o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar.

Já William Murad, diretor de inteligência da Sesge, afirma que há um planejamento complexo de mais de dois anos por trás das operações de segurança e antiterrorismo das Olimpíadas.

“Eu tenho visto muitos especialistas dando explicações na imprensa em geral sem terem o conhecimento do que está realmente sendo feito. Esse tipo de crítica ignora um planejamento muito complexo, com uma integração nunca antes feita na história do Brasil”, indica.

Murad destaca ainda o CIANT (Centro Integrado Anteterrorismo), que funcionará em Brasília e no Rio de Janeiro a partir de 31 de julho com a colaboração de agentes de inteligência de sete países: Estados Unidos, Canadá, Bélgica, França, Reino Unido, Argentina e Paraguai, e também o Centro de Cooperação Policial Internacional (CCPI), que conta com policiais de diversos países para ajudar nas operações de inteligência durante os Jogos. Ambas estruturas funcionaram com sucesso durante a Copa do Mundo, em 2014, diz a Sesge.

Para o consultor Hugo Tisaka, da empresa NSA Brasil, que atuou em segurança privada na Copa, a decisão de lançar um aplicativo com esta finalidade específica é “notícia muito positiva para a segurança”. Ele diz que, no Brasil, o 190, número de telefone da central da polícia, ainda é muito pouco utilizado “porque as pessoas não têm a cultura de relatar comportamentos suspeitos e deixam para pedir socorro quanto o fato já aconteceu”.

“É impossível você ter agentes de segurança privada ou policiais em todas as barcas, todos os vagões de trem e metrô. Ainda que bem em cima da hora, é bem-vindo, sim. Agora o treinamento e a capacidade de resposta são tão importantes quanto a tecnologia”, diz.

Tisaka ressaltou a importância de treinamento adequado para que não haja um excesso de alertas que poderiam sobrecarregar o CICC.

“Quando você coloca uma pessoa que não é agente de segurança pública ou policial para monitorar ameaças de crimes comuns e terrorismo, tem que se dar conta de que treinar é tão importante quanto a tecnologia, e que essa pessoa pode ficar exposta também. É igual uma arma. Se você tem uma arma nas mãos sem treinamento ela pode ter o efeito contrário”, diz.

Questionado se o aplicativo pode oferecer algum problema de segurança aos usuários ou causar confusão no outro lado, onde as mensagens serão recebidas, William Murad, da Sesge, diz que as pessoas não terão qualquer exposição a risco e que os alertas serão filtrados.

“A pessoa não se coloca em risco. Ela não aborda ninguém. Só manda informações pelo celular. É só mais um canal de informação, e o objetivo é justamente evitar confusão. Os alertas e mensagens serão filtrados por uma equipe de inteligência e de policiais qualificados para isso”, diz.

Supervia, Light e Rodoviária Novo Rio

A BBC Brasil conversou com representantes de três concessionárias que participaram do treinamento com a Sesge, Polícia Federal e Ministério da Justiça e cujos funcionários já receberam o aplicativo “Vigia” e agora devem multiplicar o conhecimento para colegas. Por segurança, os funcionários que participaram do treinamento optaram por não conceder entrevistas, mesmo sem identificação.
4

MINISTÉRIO DA DEFESA Image caption Brasil está bem preparado em ações de ‘contraterrorismo’, nas respostas a ataques, mas falta mais trabalho no ‘antiterrorismo’, que visa prevenção, diz analista

Juvenil Luna Barbosa, coordenador de segurança patrimonial da Light, concessionária de energia elétrica no Rio, relatou que a capacitação na empresa ocorreu no último dia 12, e cerca de 90 pessoas participaram.

Na Rodoviária Novo Rio, a gerente de comunicação Beatriz Lima diz mais de 30 agentes já foram treinados.

O terminal rodoviário, segundo maior da América Latina, se prepara para a circulação de quase 2,5 milhões de passageiros durante as Olimpíadas. Os picos devem ocorrer nos dias 5, 18 e 22 de agosto, datas em que foi decretado feriado no Rio de Janeiro e que coincidem com a mudança das férias escolares de julho para agosto. Lima acrescenta que, a partir do final de julho, haverá alertas de som e nos televisores sobre bagagens abandonadas e atividades suspeitas.

Na Supervia, concessionária de trens metropolitanos do Rio de Janeiro, 240 funcionários já passaram pelo treinamento e receberam o aplicativo.

Nos últimos meses, a concessionária passou por treinamentos de segurança e antiterrorismo com o Bope, o Batalhão de Operações de Fuzileiros Navais, o Batalhão de Ações com Cães e a força de elite da Polícia da França, a Raid (Unité de Recherche, Assistance, Intervention et Dissuassion).

Terrorismo e Rio 2016
A pouco mais de duas semanas dos Jogos, o noticiário recente elevou a preocupação com terrorismo durante as Olimpíadas e gerou reações do governo brasileiro.

Após o ataque terrorista da última quinta-feira, em Nice, no sul da França, deixando ao menos 84 mortos, o presidente interino Michel Temer convocou reuniões para rever o plano de segurança dos Jogos.
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse na sexta-feira que o rigor com as revistas e checagens será intensificado como parte da revisão.

“Estamos revendo e ampliando os nossos controles, as nossas checagens, embora isso venha representar um desconforto a mais para aqueles que vão participar ou para aqueles que vão assistir as Olimpíadas, mas isso se faz necessário em nome da segurança de todos”, disse.

Também na sexta-feira, o general Sérgio Etchegoyen, ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), disse que a preocupação com o terrorismo nas Olimpíadas “subiu de patamar”.

Além do recente ataque em Nice, no últimos seis meses houve atentados do tipo em Orlando, na Flórida, e outros em Paris, Bruxelas e Istambul.
Na semana passada, Christophe Gomart, deputado e diretor de inteligência militar francês, disse no Parlamento da França que havia informações sobre um brasileiro que pretendia atacar a delegação francesa nas Olimpíadas.

Além disso, outros quatro casos levantaram o alerta da Abin para a possibilidade de ações terroristas durante os Jogos.
No dia 6 de julho, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, confirmou que o governo brasileiro procura o sírio Jihad Ahmad Deyab, ex-prisioneiro de Guantánamo que estava refugiado no Uruguai e que teria cruzado a fronteira para o Brasil. O sírio figura numa lista internacional de procurados por possíveis ligações com terrorismo.

No início de junho, a Polícia Federal de Santa Catarina começou a monitorar com tornozeleira eletrônica o libanês Ibrahim Chaiboun Darwiche, dono de um restaurante na cidade de Chapecó, e a Justiça o proibiu de frequentar aeroportos, escolas, cursos de artes marciais ou atividades envolvendo armas de fogo e explosivos. Ele também não tem autorização para deixar a cidade sem comunicar a PF.

Após investigações, os agentes concluíram que Darwiche, que mora há muitos anos no Brasil, teria passado ao menos 87 dias numa cidade dominada pelo Estado Islâmico na Síria, em 2013. Além disso, anotações encontradas por policiais federais em sua casa sugerem que ele conduzia treinamentos de tiro e orações com o Alcorão durante as madrugadas.


BBC Brasil

voltar